viernes, 14 de agosto de 2009

Questão de cor

Uma menininha que pensava ser pintora.Dizia ela ser feita do mesmo material das tintas que guardava na caixinha.Dizia ela ser peça essencial paras as pessoas queridas como o pincel era para o desenho.Dizia ela ser branca como as telas que sonhava em comprar.Dizia ela ser inspiração para o mundo como as pinturas eram para a arte.Dizia ela ser vibrante como as cores misturadas em sua parede.E um dia disseram a ela que meninas negras jamais seriam pintoras...Então ela soube que era frágil como o gizes de cera quebrados por ela com lágrimas no olhos.

sábado, 1 de agosto de 2009

Mais tarde

No relógio,os ponteiros caminham vagarosamente.O céu muda de azulado para rosado contraditoriamente em um piscar de olhos.A noite se torna um prolongamento do que passou durante o dia .Ou do nada que se passou durante o dia.O nada que existe quando você parece não estar perto.Esse vazio parece insistir em permanecer.Arrasta uma cadeira,senta-se ao meu lado,mostra-me um espelho.Um batido monólogo sobre a patética imagem desenhada no reflexo.Onde está a minha quietude? A exijo. Quero paz particular.Então seus passos surgem a ponto de sentir seu perfume,esse sujeito que teima em acompanhar minhas roupas.Meu sossego agora, o seu sossego de costume.Gangorra emocional.Apresenta-me a razão,alguém?Quem sabe através dela eu tenha a oportunidade de conviver um pouco com a auto suficiência.Será que ela conhece a independência?Talvez mais tarde eu implore por ela.Mais tarde.Qquando a luz acender e eu souber a diferença entre o claro e o escuro.Mais tarde.

jueves, 22 de enero de 2009

A saída do casulo

Um leve roçar de corpos. Veludo. E então, recebendo um sopro morno na bochecha, ela acordou. Poderia ter fingido um pouco mais, porém o tímido arrepio a denunciou. Ninguém sente inconsciente ou sente? Observou covardemente a cascata loira que, com leveza, descia e escorria por seu colo desnudo. Os dedos da outra explorando os olhos assombrados dela, os lábios que pediam distância. Seu corpo ensimesmado e tenso sobre o colchão. A vergonha lhe consumindo. O processo do desfolhar da flor vivenciado por ela na noite anterior, a preenchendo e a torturando por dentro.
_Você é o licor e eu a embriaguez. – pronunciou a outra traduzindo a música francesa que tocava ao fundo daquela curiosa manhã.
O cetim relaxando suas pernas imóveis. As palavras abortadas. As mãos suadas. E seus olhos se acharam. A reconhecida e estranha sensação. Ela era da outra e a outra era dela. Ela se aconchegou e se moldou nos perfumados braços da outra que a acalentava. O encontro do leite morno com a canela. Encontravam-se, se mesclavam, se criavam. E permaneceram naquele turbilhão de silêncios ,encarando o pecado descoberto.Não tinha outro jeito agora,ela era da outra e a outra era dela.

martes, 20 de enero de 2009

Maldita guerra,bendito amor

Depois de ter sintonizado em sua estação predileta,ao som de uma estonteante voz grave feminina,Lília observou mais uma vez a rua se enchendo.Os Ford de um lado para outro,as mulheres saindo de casa para mais uma esplêndida interpretação social – com muita diplomacia- achando que estavam imunes a olhares perspicazes e nada convencionais como os de Lília.Elas decoravam o roteiro,Lília não.Era praticamente impossível se mostrar vivaz e geniosa como de costume como aquelas pobre mulheres desoladas faziam.Desoladas,enquanto convivam com a idéia de serem trocadas por fuzis.estavam aceitando a inevitável e forte presença da incerteza em seus dias.A incerteza e a dúvida de saber se teriam os pais de seus filhos novamente sentados à mesa.Passavam vinte e quatro horas do dia questionando o porquê de sua viuvez momentânea.Mas pensar em ser viúva é doloroso demais,a dor transborda.Parecendo engolir trapos de pano,Lília vez ou outra se perdia em sua marca de batom vermelho carimbada no cigarro seguro entre os dedos trêmulos.O cômodo apertado foi ganhando espaço.o clima gelado e sufocante foi substituído por uma onda de calor e de frescor.O cheiro da sua colônia a abraçou.Por alguns segundos,Lília fechou seus olhos.Sim,ele estava sorrindo.Para ela,e somente para ela.Como resposta,o lábio arrancou-lhe d’alma um sorriso.Sua tez morena e naturalmente bronzeada não estava com um vestígio de sujeira sequer e seus cabelos mais negros que a asa da graúna recendiam em um doce aroma.Os olhos ainda sustentavam ar pomposo e ardil.Lília não era capaz de suportar,e sem pestanejar se entregou.Ela pertencia a ele ,por que resistir?Desvaneceu em seus braços.Ele viera lhe buscar;aquele fato que importava.importava tanto que não sentiu quando o cigarro escorregou por entre seus dedos e lambeu rapidamente os tapetes,as cortinas,a mobília.Mas Lília não notou nem se preocupou,pois estava indo em boa companhia...

sábado, 17 de enero de 2009

rotina rotineira

Meus olhos despertaram com os respingos de uma chuva que batia na janela. Ainda tinha uma Dido no Media Player e uma dor de cabeça que insistia em me acompanhar. Meus pés gelados procuraram um abrigo, e após não achá-lo levantei levemente irritada. Estava nublado e por alguns segundos me peguei vidrada na manhã chuvosa que havia se formado lá fora, dançando torrencialmente. Foquei meu olhar na cama desarrumada e nos meus sonhos dissolvidos, escorridos e encharcados no lençol. Foi como se eu estivesse trancada em uma caixa extremamente pequena lutando por cada golpe de ar e antes que os pensamentos da noite anterior ressurgissem ,calcei minhas botas esbranquiçadas pelo tempo e vesti meu casaco de lã por cima do pijama. Inalei naftalina. Não quis me olhar no espelho para não sofrer tanto, pois tinha unido apenas o grosso do cabelo em um coque e certamente encontraria um bocado de fios soltos e úmidos decorrentes da angustiante noite passada. Mergulhei meus dedos no pote de doces para visitas na sala e apressadamente cacei duas gomas a fim de amenizar o hálito matinal deixando nada mais que uma porta fechada para trás. Meus olhos apertados procuraram enxergar algo além de neblina e carros com vidros fechados. Entrei em uma das mais antigas ruas do bairro e caminhei com os braços colados ao corpo. E caminhei. Topei com uma amoreira e capturei algumas as juntando na palma da mão. Percebi que as mais avermelhadas eram as mais azedas após experimentar uma e cuspir, e as arroxeadas eram mais doces em que a maior parte carnosa quase derretia na boca. Minhas pernas ainda caminhavam automaticamente enquanto avaliei meus dedos coloridos. Minha mente marcada pelo medo de ser a amora azeda, aquela que as pessoas cuspiam. Limpei meus dedos e balancei a cabeça expulsando aquelas idéias. Cheguei em casa e me encarei parcialmente no vidro da janela. Os cabelos molhados, os lábios coloridos artificialmente, um aroma desconhecido de planta. A cama desarrumada, uma Dido no Media Player e uma dor de cabeça que insistia em me acompanhar.

PS: Baseado em fatos fictícios